“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13)
Celebramos o “Corpus Christi”, uma das festas mais ricas por seu conteúdo e simbolismo, mas que nos faz pensar também no “Corpo de Cristo” no meio de tantos outros corpos.
Aceitamos, pela fé, a presença real de Cristo na Eucaristia; isso implica comunhão bem maior com sua vida, seu testemunho de amor, de partilha, solidariedade, dedicação pela transformação de tudo aquilo que não dignifica a vida ou não dignifica os “corpos”. Comungamos o “Corpo de Cristo” para podermos viver o seguimento com mais radicalidade.
Jesus se ajoelhou diante de seus discípulos para lhes lavar os pés; e, ao terminar essa tarefa de servos, lhes disse: “Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros”.
É preciso descobrir a presença de Jesus em todos os corpos desfigurados, famintos, violentados, desprezados…, e que suplicam por uma presença servidora e solidária. Diante destes corpos desumanizados, morada do Ressuscitado, é que devemos nos ajoelhar para facilitar a ajuda e o serviço. Ninguém pode servir a partir de uma posição elevada; é preciso “descer”, esvaziar-nos de nosso ego prepotente, para prolongar as mãos e o coração do Compassivo.
Na Eucaristia se concentra toda a mensagem de Jesus, que é o Amor. O Amor que é Deus manifestado no dom de si mesmo e que Jesus deixou transparecer durante sua vida. Ao dizer, “isto é o meu corpo”, Jesus está afirmando: Isto sou eu: Dom total, Amor total, sem limites.
Ao comer o pão e beber o vinho consagrados, queremos afirmar: fazemos nossa a Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com o que foi e fez Jesus. O pão que nos dá a Vida não é apenas o pão que comemos, mas o pão no qual nos transformamos, quando fazemos de nossa vida uma doação contínua. Somos cristãos, não só quando comemos o pão, mas quando nos deixamos consumir, como Ele fez.
Discípulos(as) de Jesus somos quando aprendemos a partir o pão. Reconhecemos os cristãos hoje quando partem o pão e não o retém para si. O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.
Compartilhar significa não “monopolizar”, não permitir que haja necessitados entre nós.
O pão partido é a vida compartilhada: bens, dons, tempo, qualidades…
O cristão, além disso, compartilha seus ideais, seu entusiasmo, seu ânimo, sua fé, sua esperança.
Também hoje Jesus precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.
Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, energia de vida.
É preciso também enfatizar que, celebrar e venerar o “Corpo de Cristo” nos remete ao nosso corpo e ao corpo dos outros. Nossos corpos estão integrados e dignificados no Grande Corpo Cósmico d’Aquele que se esvaziou dos atributos divinos para se fazer “Corpo” e “divinizar” nossos corpos.
Integrados ao “Corpo do Ressuscitado” somos chamados a superar toda suspeita, medo, julgamentos moralistas e visões dualistas dos nossos corpos. Afinal, não “temos” corpo, “somos corpo”; pensamos, amamos, sentimos e entramos em relação com o Transcendente através de nosso corpo.
No encontro com o “Corpo de Cristo” passamos a ter uma outra visão de nosso corpo; isso implica buscar a harmonia e a integração.
Somos nosso corpo animado, com vida e com sentido. Construímos nossa vida com nosso corpo e graças a ele.”.
Nosso ser profundo, nosso ser essencial se manifesta, se abre para fora através de nosso corpo.
O corpo deixa transparecer o que há de mais humano e mais divino em seu interior.
Deixemos “transparecer” o “Corpo de Cristo” em nossos corpos!
Amiga, amigo, teu corpo que, que és tu mesmo, é habitado pelo Infinito, o Eterno. Tu também, como Jesus, em comunhão com todo o universo em movimento e evolução, és corpo de Deus. O Infinito se manifesta e emerge de ti. Acolhe teu mistério, deixa-te acolher pelo Infinito em ti, deixa que suba, desde o mais profundo de ti, a voz que ora: “meu corpo canta a Ti, Senhor!”
– Deixa Deus ser Deus em ti. Sê corpo, morada de Deus. Celebra, cuida, reza: sê corpo de Deus, epifania carnal da Ternura infinita.